Ser jornalista é amar contar histórias

Gostaria de compartilhar com você uma linda reportagem que fiz meses atrás, contando essa linda história de amor

Cerimônia indígena que uniu uma amapaense e um alemão dá fim à negação e à vergonha da própria origem

Em Agosto deste ano, Hanne Pires da Silva, 31 anos, amapaense, de Serra do Navio e descendente de indigenas, casou com o alemão Nico Paul, 36 anos. O enlace aconteceu onde a noiva passou parte da sua infância, no Curicaca, distrito do município de Itaubal do Piririm, distante 87km da capital, Macapá.

O que seria um simples casamento, acabou mudando completamente a visão de mundo da Hanne, que passou a vida inteira fugindo de suas origens. O episódio tomou conta da imprensa na Alemanha e, desde então, o casal tem sido muito procurado para dar entrevistas.

Hanne no Brasil

Hanne é filha de Ana Pires, saiu do Amapá aos 11 anos, para morar no Paraná e nunca mais voltou. Em busca de melhores condições de vida e educação, ela se formou em Violino pela Faculdade de Belas Artes naquele estado e quase se formou em artes.

Sua trajetória numa cultura diferente, com descendentes, inclusive, de alemães, não foi fácil. Devido seus traços físicos e a cor de sua pele diferente das demais crianças, era chamada de “índia burra e preguiçosa”, tinha apelidos pejorativos como “nariz de porco” e diziam que a pele dela era suja, por isso tinha “aquela cor”. Por causa dessas experiências, ela tinha vergonha de ter qualquer característica indígena.

Nessa fuga de suas origens, mesmo tendo um déficit de aprendizagem, a violinista amapaense sempre quis falar outros idiomas, sempre quis ser outra pessoa, de outra cultura. Aprendeu Japonês, Coreano, Inglês e Alemão, menos o idioma de seus ascendentes indígenas.

Hanne teve vários relacionamentos, quase chegando a casar e, em geral, com rapazes de outros países, o que parecia ser a continuidade da negação de suas origens amazônicas. “Quando você escuta que indígena é preguiçoso e burro, você não quer se identificar com isso”, disse Hanne.

Hanne na Alemanha

Há seis anos, Hanne mora na Alemanha onde fez faculdade e se formou em pedagogia e hoje trabalha nesta área. Lá, ela encontrou o alemão Nico. Eles casaram-se na Dinamarca que é o país onde estrangeiros casam sem estresse, com rapidez e sem as inúmeras taxas, burocracias e carimbos exigidos na Alemanha.

Nico quis conhecer as raízes de Hanne, quis mergulhar um pouco nelas, já que Hanne fez isso na cultura e no país dele. Assim surgiu a ideia de vir para o Amapá e fazer a cerimônia de casamento indígena.

A busca por valor não estava longe. Estava onde tudo começou. Hanne e Nico provaram a beleza da unidade, mesmo nas diferenças culturais e étnicas.

Cacique Guisel Marwono fez a cerimônia. Mergulhar no universo do outro torna a vida mais leve e harmônica

Jornal na Alemanha conta história do casamento realizado por cacique na Amazônia brasileira

O encantamento com a sua própria cultura

A festa aconteceu na casa da tia da Hanne e contou com a participação de integrantes da aldeia Galibi Marwono que passaram 24h viajando para chegar ao local. O tecido da roupa dos noivos foi comprado um dia antes.

A artesã Zuleika Marwono foi quem passou seis meses preparando as joias feitas de sementes da floresta, costurou as roupas e também fez a pintura corporal no dia da cerimônia.

O enlace foi celebrado pelo cacique Guisel Marwono e teve a participação do cacique tradutor Enzo Marwono, sendo celebrado nas três línguas: português, alemão e indígena. Hanne conta que seu esposo passou seis meses estudando português básico para conversar, pessoalmente, com a sogra dele.

Para o alemão Nico Paul, o casamento feito no Amapá teve muito mais valor do que o que foi feito na Dinamarca, de tão significativo e emocionante. Até hoje, ele se arrepia quando lembra. Ele disse que o evento teve o poder de arrancar do coração da Hanne todo esse desejo de fuga de suas origens e colocou tudo no seu devido lugar.

Nico teve oportunidade de mergulhar no mesmo rio que Hanne tomava banho quando criança e conhecer a cultura dela de perto. Ficou tão impressionado com tudo, que praticamente, não conheceu a capital, pois quis passar os quatro dias de estadia no distrito de Curicaca. Em sua passagem por Macapá, um sonho realizado foi tomar o açaí contemplando o imenso Rio Amazonas. Ele também amou conhecer o Curiaú.

Momentos da cerimônia

Dentre as muitas palavras ditas pelo Cacique Guisel, a Hanne relatou um trecho que, para ela e seu marido, será inesquecível: “ Hanne, você cresceu, entrou no rio, nadou, nadou, e no meio do rio, você encontrou vários rapazes, mas nenhum lhe encantou. Então você encontrou o Nico, se encantou e saíram do rio juntos para o seu destino. “ Nico, você cresceu, entrou no rio, nadou, nadou, e no meio do rio, você encontrou várias moças, mas nenhuma lhe encantou. Então você encontrou a Hanne, se encantou e saíram do rio juntos para o seu destino. Agora os dois são um só. Hanne, você é o pai e a mãe do Nico. Nico, você é o pai e a mãe da Hanne”.

Ao contar isso, Hanne se emociona, pois, para o seu povo, o rio é a estrada, o rio é o caminho, é onde seu povo faz sua jornada. Ela diz que o casamento entre uma descendente de indigenas e um alemão foi um encantamento cultural, e não um choque.

No lugar da vergonha, honra

Para Hanne, foi um reencontro consigo mesma, ou porque não dizer: um encontro consigo mesma, já que ela passou três décadas negando suas origens e indo para o mais longe possível delas.

Num ambiente sem luxo, no meio do seu povo, ela entendeu a sua identidade e vive, até hoje, uma experiência de aceitação. “Hoje, eu passei a valorizar quem eu sou, de onde eu vim. Amo meu Estado, minha terra. Amo a Amazônia. Ela está em mim e eu nela. Posso ver a cultura do meu povo em tudo. Tudo está conectado: a culinária, as plantas medicinais, as verdadeiras joias feitas de sementes da floresta viva da Amazônia. A nossa região é vista pelo mundo todo como um paraíso” disse a amapaense.

“Já me senti perdida e quis me conectar com outras culturas , agora me sinto tão completa! Estou muito feliz de ter o meu nariz, meu cabelo e minha cor de pele” conta, emocionada. A história do seu casamento feito por caciques indígenas no meio da floresta amazônica, tem causado uma repercussão muito grande na Alemanha. Todos se admiram e estão encantados.

Então, para ela, seu casamento fez nascer um orgulho incrível de onde ela veio. A vergonha sumiu. Não há motivos para se esconder. Numa linguagem bem popular, a história da Hanne prova que o jogo pode virar, que o mundo gira, e que a criança que um dia foi rejeitada numa turma de escola entre descendentes de alemães, hoje é honrada dentro da Alemanha e leva para onde vai o nome do Amapá, da Amazônia, do Brasil.

Reportagem de Adriana Garcia

Se a sua vida merece ser contada num livro ou numa reportagem, estou aqui para dar voz à sua história. Será uma honra eternizá-la com sensibilidade e excelência. Fale comigo e vamos começar juntos essa jornada!

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